Tinha sido uma linda manhã de sol. Ângela estava exausta, tinha acabado de chegar do seu primeiro trabalho, quando lembrou que precisava escrever um texto para logo mais a noite. Fernando, seu marido, tinha deixado mais uma vez em cima da pequena mesa da sala o bilhete: “Não se preocupe com nada... Olhe ao seu redor, reflita suas vontades e expresse-as através de seus textos. Eu te amo!”. Ângela se direciona ao quarto com o pequeno bilhete na mão, coloca-o em seu emaranhado de papéis pendurados numa tela branca na parede. Liga a televisão. A desliga no mesmo momento. Percebe que está na hora de escrever e então começa.
“Como falar de assuntos do cotidiano misturados com a atualidade? É como tentar ouvir a televisão e o rádio ao mesmo tempo, sem saber onde encontrar o vies para tamanha situação. Entretanto, tentemos nos concentrar em nossos pensamentos, juntamente com os acontecimentos. A televisão acaba de confirmar uma morte. O rádio acaba de repassar uma música e logo depois a notícia de um nascimento importante. Aí então percebemos o quanto o mundo está o tempo todo em transformações, modificações e recriações da realidade. Mas como abordá-las? Necessito afirmar que o literário se entrelaça com o real e vice-versa. Tudo começa a partir do encontro do imaginário com a realidade. Porém, como criar algo valorativo, se a própria mídia contribui para que as coisas se reproduzam o tempo todo? É melhor não imaginarmos demais determinadas situações...”
Ângela levanta de sua cama, onde estava sentada escrevendo e vai andando pela casa. Sente falta de algo, mas não sabe explicar o que é. Abre a porta da sala, percebe uma tímida passagem de alguém. Ele a olha. Ela retribui com um olhar amedrontado. Passa as mãos pelos cabelos soltos e fecha a porta. Vai à janela e leva um susto quando percebe que ele tem uma foto sua nas mãos. Ela grita. Ele chora. Ela segue-o com o olhar e ele vem em sua direção. Ângela fecha as janelas rapidamente e escuta um breve ruído do silêncio. Silêncio esse que fala com ela e é interrompido quando alguém bate em sua porta. Ela sente medo. Ele sente ânsia. Uma voz surge e o silêncio reaparece logo depois.
Uma batida é notada mais uma vez em sua porta. Ela resolve abrir, mas antes disso corre em seu quarto, pega a folha escrita em cima de sua cama e a dobra em suas mãos. Ele a olha. Ela abaixa a cabeça percebendo suas nervosas mãos. Escuta sua voz. Era ele, Fernando. Ângela lembra de um pequeno trecho de sua escrita e reproduz naquele exato momento: “O mundo está o tempo todo em transformações, modificações e recriações da realidade... Tudo começa a partir do encontro do imaginário com essa realidade...”. Nesse momento Fernando chega mais próximo e te deixa um beijo na testa. Ela então começa a lembrar do seu dia e de suas dificuldades. Seu dois e únicos trabalhos: Conversas com o psicólogo, para recuperação de sua memória, e a criação de textos para posteriormente a análise de suas percepções. Acaba, sem querer, de lembrar que seu dia-a-dia sempre será sua vida de logo mais.